Arquivo | julho, 2013

Viña Del Mar, Chile – na excursão e por conta própria

30 jul

Se você leu sobre o comecinho de nossa viagem a Valparaíso e Viña Del Mar deve ter percebido que ainda não falei de comida. Esse é o lado ruim de conhecer as duas cidades em uma excursão. Por conta própria, você faz a programação que quiser e para na hora que bem entender para comer. Com um grupo de turistas, é preciso dar uma segurada na fome. No nosso caso, só paramos para almoçar em Viña e, mesmo assim, bem depois do meio-dia.

Depois de percorrer Valparaíso, nosso guia turístico nos levou para um rápido passeio por Viña Del Mar. Digo rápido porque acho que passamos tempo demais na primeira cidade e o que sobrou para a segunda foi muito pouco. Não me lembro a distância entre os dois municípios, mas o trajeto é rápido. É como se fosse Recife-Olinda ou Niterói-São Gonçalo, isto é, são cidades-irmãs e bem próximas.

Em Viña, junto com os outros turistas, comemos em uma restaurante muito bacana: La Gran Mazana. O local é pequeno, mas bem acolhedor, e a especialidade são os frutos do mar. Apesar de estar na terra do vinho, fui de cerveja Cristal. Após a correria para trocar dinheiro (ainda em Santiago), ir à rodoviária, encarar 1h30 de viagem e bater perna por Valparaíso, tudo o que eu precisava era forrar o estômago e molhar a garganta.

Se tivesse escrito este texto mais perto da viagem, talvez me lembrasse do quanto gastamos no restaurante. Mas as notas fiscais se foram e os detalhes também. O que me lembro é que valeu cada peso gasto porque a comida era realmente deliciosa, a fome era grande e as férias pediam um pouco de desprendimento financeiro. Bem alimentados, pudemos enfim conhecer Viña Del Mar.

Em comum com Valparaíso, Viña só tem o fato de ser banhada pelo Pacífico. Na comparação entre as duas, podemos dizer que Viña é a prima rica. Há, claro, uma parte desorganizada, sobretudo no centro, mas visualmente e turisticamente ela é mais interessante. Se você tiver tempo e dinheiro, vale a pena passar uma noite na cidade para aproveitar os bares e boates de lá. Há uma rua repleta de estabelecimentos com toda sorte de bebida, alimentação e diversão.

Logo no começo do nosso passeio, paramos para conhecer o famoso relógio de flores de Viña. O local é bonito, mas confesso que não me empolgo com esse tipo de atrativo. Para quem curte plantas ou paisagismo é o ponto ideal para tirar umas fotos.

Hora certinha para a diversão em Viña

Hora certinha para a diversão em Viña

Em  meio aos demais turistas no Parque Vergara

Em meio aos demais turistas no Parque Vergara

Uma criança feliz perto das flores e da natureza

Uma criança feliz perto das flores e da natureza

Roberto Carlos e Xuxa cantaram no palco ali

Roberto Carlos e Xuxa cantaram no palco ali

Isso é o que dá visitar o Moai à noite

Isso é o que dá visitar o Moai à noite

Como chegamos a Viña meio tarde, o nosso passeio foi um pouco prejudicado. Visitamos o Museo Arqueologico já quase sem luz natural e nossas fotos com um dos poucos Moais originais fora da Ilha de Pascoa saíram uma negação, por exemplo. Além do Museo, fomos ao Parque Vergara, um grandioso espaço ao ar livre que foi a residência de uma das famílias mais ricas do Chile. Pelo tamanho do parque, entenda muito muito muito rica.

É no Parque Vergara que fica o anfiteatro a céu aberto onde ocorre o Festival Internacional da Canção de Viña del Mar. O guia logo tratou de nos dar dois avisos importantes: o teatro foi um dos mais atingidos por um dos inúmeros terremotos que de tempos em tempos fazem o Chile sacudir e um dos músicos que mais fazem sucesso no Festival de Viña é ninguém menos que ele, o meu, o seu, o nosso, o inimitável Roberto Carlos. Veja um vídeo com o Rei encantando o povo no Parque Vergara em 2011.

Além de Roberto Carlos, nosso simpático guia também explicou que quem também levou milhares de chilenos à loucura, em um passado remoto, foi Xuxa. Embora conheça pouco sobre a música latino-americana, fiquei curioso para acompanhar uma edição do evento de perto. A festa é grandiosa e transmitida para todo o país. Aqui, mais informações sobre a edição de 2014 daquele que é considerado “o festival dos festivais”.

Por conta própria

Saímos de Viña um pouco frustrados pela rapidez do passeio e por isso resolvemos voltar à cidade outro dia, por conta própria. Tomamos o metrô até o terminal de ônibus, mas quando chegamos lá fomos direto ao guichê da Turbus comprar nossas passagens. Já éramos gente grande no Chile e dispensamos guias turísticos ou atravessadores que nos foram úteis em Valparaíso, mas nem tanto em Viña.

Assim que desembarcamos no terminal de ônibus Viña, fomos abordados por um simpático senhor com um crachá de guia turístico municipal. Ele muito gentilmente nos deu uma mapa da cidade e logo descobrimos a razão de tanta educação. Segundo o guia, só era possível chegar às praias da cidade em um taxi porque a orla era muito distante de onde estávamos. Então, nos apresentou um taxista que disse que era o nosso dia de sorte, pois o movimento de turistas estava fraco e ele faria a corrida por “módicos” CLP$ 4.000 . Para efeito de comparação, acho que a passagem de Santiago para Viña, com 1h30 de viagem, ida e volta, custou pouco mais de CLP$ 5.000. Amigos, não caiam nesse golpe do “la garantia soy yo”.

Já escolado na malandragem chilena, peguei o mapa, agradeci pela disponibilidade e dei um sonoro NO, GRACIAS. Viña Del Mar me parecia pequena e não era possível que o terminal de ônibus fosse tão distante da praia. Resolvemos procurar o ponto de ônibus mais próximo e quando entramos em um açougue para perguntar qual a linha ideal para nos deixar na orla o funcionário sorriu aquele sorriso de quem ouviu uma asneira e disse que bastava andar cerca de 10 ou 15 minutos para chegar ao destino.

Andamos pelo caminho indicado pelo açougueiro e quando a dúvida batia parávamos em outro estabelecimento para nos certificar se era o trajeto correto. Recebemos um OK em todos os locais. Não tinha mesmo mistério. Basta andar pela avenida principal de Viña, a que corta o centro, depois dobrar em uma rua no fim dessa via, atravessar uma ponte e correr para o abraço.

O centro de Viña é como o centro de Valparaíso ou do Recife. Muita gente nas ruas, trânsito, comércio formal e informal a todo o vapor. Mas quando atravessamos a ponte uma outra cidade surgiu. Podemos ver aquilo que ficou escondido na nossa primeira passagem por Viña. A pé e de dia, tivemos uma imagem da cidade mais perto da realidade.

Demos sorte que o dia estava um pouco ensolarado e, pela primeira vez desde que chegamos ao Chile, senti calor. Não aquele calor recifense, mas o suficiente para tirar boa parte dos trambolhos que vestia. O cassino de Viña, um patrimônio da cidade, fica bem em frente ao Oceano Pacífico na Avenida San Martín, 199 e chama a atenção por sua imponência arquitetônica. Hoje, ele divide espaço com um hotel de luxo. Mais informações aqui: www.casinodevinadelmar.cl.

Nessa segunda passagem por Viña também curtimos as áreas verdes. Elas são um convite para o descanso ou um piquenique e para passeios com cachorros ou crianças.

Vanessa mostrando que tava bem de palacete

Vanessa em frente ao hotel que abriga o cassino de Viña

Na hora da foto, cuidado com as ondas

Na hora da foto, cuidado com as ondas que batem nos arrecifes e resvalam no calçadão

A ponte que separa o centro de Viña da parte rica da cidade

A ponte que separa o centro de Viña da parte rica da cidade, com praia e bons restaurantes

Não me pergunte do que se trata aquele castelo

Não me pergunte do que se trata aquele castelo

Calçadas largas e sem buracos me matam de inveja

Calçadas largas e sem buracos me matam de inveja

O frio deu uma trégua pra gente se livrar dos casacos

O frio deu uma trégua pra gente se livrar dos casacos

A orla de Viña perde em beleza para a orla do Nordeste ou do Rio de Janeiro e sobre isso não há discussão, mas ainda assim o cenário, embora um pouco triste no inverno, foi encantador de alguma forma. Para mim, talvez pelo fato de ser algo tão diferente do que já tinha visto pessoalmente. Na hora de tirar fotos em frente ao muro de arrecifes que separa o mar do calçadão, fique atento às ondas. Elas batem forte contra as rochas e podem molhar os turistas mais desligados.

Depois de margear a praia pelo calçadão, desci para a areia para realizar o sonho doido de molhar as mãos no Pacífico e tirar um foto. O mar recuou como quem não quer nada voltou como quem quer tudo para me molhar impiedosamente. O resultado: fiz o resto do passeio com os sapatos e uma parte da calça jeans molhados e com um frio dos infernos. Eu queria um registro do Pacífico e agora iria voltar para Santiago com uma parte do oceano dentro do tênis.

A praia de Viña me pareceu triste com pouca gente na areia e apenas uns cinco adolescentes dentro d´água, desafiando as placas de proibição. Não sei como eles agüentavam o frio ou a força da correnteza. Eu certamente não desafiaria o Pacífico daquele jeito (também já me bastava a peça que o oceano maroto me pregou). Na orla, algumas poucas barracas de lembrancinhas capitaneadas por hippies e prédios sem calor humano.

Pelos relatos e fotos que vi em alguns blogs, essa frieza da orla de Viña tem tudo a ver com a época do ano. No verão, a praia é tomada por gente e o clima certamente é outro, mais colorido e festivo. Fizemos o caminho de volta por uma avenida paralela à via que margeia o oceano (a Av. San Martín) e vimos que realmente estávamos na parte rica da cidade, com suas avenidas largas, ruas arborizadas e quadras bem ao estilo americano.

Já estávamos preparados para gastar os tubos no almoço, mas achamos um local bem simples em meio a tantos restaurantes luxuosos que prometia oferecer uma refeição genuinamente caseira. Por sorte, o barato não saiu caro e comemos muito bem. Achei a comida muito gostosa e Vanessa também aprovou, vendo semelhanças entre a refeição e o almoço da própria casa. A propaganda estava certa.

No retorno à rodoviária, Vanessa me convenceu a comprar uma meia no camelô para evitar o frio, o chulé e uma gripe. Reclamei do preço (e na verdade nem era caro), mas aqui é preciso dar o braço a torcer una vez más: a meia é uma das melhores que já tive em toda a minha vida e tornou a volta muito mais confortável, pois eu já não agüentava mais os pés molhados e cheios de areia do Pacífico. Retornamos cansados e felizes a Santiago porque fizemos a aposta certa de conhecer Viña por conta própria e porque não caímos no conto do vigário assim que chegamos à cidade.

O Ministério do Vai Dar Merda avisa...

O Ministério do Vai Dar Merda avisa…

Afoito no Pacífico

Afoito no Pacífico

Pés molhados no Pacífico e um frio de doer 'el alma'

Pés molhados no Pacífico e um frio de doer ‘el alma’

Praia fria e sem calor humano em maio/junho

Praia fria e sem calor humano em maio/junho

Um projeto de porto abandonado em Viña

Um projeto de porto abandonado em Viña

Se você é do Recife, você sabe dar valor a um aviso na praia

Se você é do Recife, você sabe dar valor a um aviso na praia que pede para evitar o banho de mar

Eles têm uma coragem que eu não tenho

Eles têm uma coragem que eu não tenho

Santiago, Chile, dia 2 – experiências em Valparaíso

19 jul

“O Chile é uma pestana entre as montanhas dos Andes e as profundezas do Pacífico, com centenas de vulcões, alguns ainda com lava morna, que podem despertar a qualquer momento e afundar o território no mar”.

Isabel Allende em O Caderno de Maya

Um dos 15 ascensores que há em Valparaíso

Um dos 15 ascensores que há em Valparaíso

Ônibus elétrico: o Recife já teve um dia; em Valparaíso é patrimônio

Ônibus elétrico: o Recife já teve um dia; em Valparaíso é patrimônio cultural

Um pedaço da paisagem entre Santiago e Valparaíso

Um pedaço da paisagem entre Santiago e Valparaíso

A gente estava bem de transporte em Valparaíso

A gente estava bem de transporte em Valparaíso

A distância entre Santigo e Viña Del Mar e Valparaíso é relativamente pequena (120 km). Assim, é possível alugar um carro para se deslocar entre as cidades. Sabe aquele cara aventureiro, que pega um veículo em outro país e sai desbravando novas estradas e territórios até chegar ao destino desejado? Esse cara NÃO sou eu. A rodovia que liga a capital chilena a Viña e Valparaíso é excelente, com sua pista larga, duplicada e sem buracos, e não oferece nenhum perigo aos motoristas. Mas, de férias, tudo o que eu menos queria saber era de colocar as mãos em um volante.

Como o aluguel de um carro foi uma possibilidade descartada ainda no Brasil, resolvemos conhecer Viña e Valparaíso de ônibus. Contei no texto anterior que é possível ir por conta própria de ônibus ou fechar um pacote com uma empresa de turismo. Escolhemos a segunda opção e foi muito mais negócio. Isso porque Valparaíso é uma cidade cheia de morros e os pontos turísticos ficam distantes uns dos outros. Se você vai sozinho, descolado de um grupo de turistas, tem que se preparar para suar a camisa e chegar aos diferentes destinos.

A melhor e maior empresa de turismo do Chile é a Turistik. Ela está presente em todos os lugares e leva até Viña e Valparaíso. Vanessa e eu, no entanto, escolhemos outra empresa mais simples cujo nome não ficou retido na memória.  Há duas opções de ônibus até Valparaíso (Turbus e Pulman) e as linhas saem de 30 e 30 minutos. Elas são as mesmas para quem fecha pacote ou compra o bilhete no guichê e viaja por conta própria. A diferença é que, com o pacote, você tem uma van à espera para lhe guiar pelos pontos turísticos da cidade. Como a empresa escolhida por nós era desconhecida, fiquei muito feliz ao descer em Valparaíso e não ser recepcionado por integrantes da máfia chilena ou por traficantes de órgãos.

A van que nos levou para dar uma volta em Valparaíso e Viña Del Mar era bem simples, sem o conforto dos microônibus da Turistik (quando for falar sobre o Valle Nevado discorro mais sobre isso). Mas a simpatia e o bom humor do motorista e do nosso guia, um senhorzinho que abraçou o turismo pela falta de outra opção de trabalho na cidade, compensaram tudo. Percorremos as duas cidades junto a outros brasileiros, argentinos, venezuelanos e até alguns chilenos interessados em conhecer a vizinhança de Santiago.

A feira do troca-troca no centro de Valparaíso

A feira do troca-troca no centro de Valparaíso

Lembra o bairro de Casa Amarela, no Recife

Lembra o bairro de Casa Amarela, no Recife

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

Limpar o vidro dos carros é uma forma de ganhar $ em Valparaíso

Limpar o vidro dos carros é uma forma de ganhar dinheiro em Valparaíso

Cerros para dar e vender

Valparaíso é menos interessante do que Viña e a primeira impressão não agrada. A cidade é cheia de morros, os famosos “cerros”. Imagine o Rio de Janeiro e suas favelas (sem a beleza carioca naturalmente) ou a parte menos nobre do bairro de Casa Amarela no Recife. A grande diferença é que os morros de Valparaíso abrigam todas as classes sociais. Há desde casebres muitos simples até casas magníficas com a vista para o porto da cidade e o oceano Pacífico.

É possível chegar até os morros (são mais de 40, se não me engano) por meio dos famosos ascensores (elevadores, em português). Aqui, http://ascensoresvalparaiso.org/, você pode ver um vídeo de como eles funcionam. Você não precisa passear por todos os ascensores da cidade, pois a van te leva ao ponto mais alto dos cerros. Andamos em um dos mais simples e não achamos nada demais. Mas valeu a experiência nem que seja só para dizer: valeu a experiência.

Nota: os chilenos são muito espertos. Você paga na subida e na descida, ou vice-versa. É um valor pequeno, mas tem que pagar. Ah, os chilenos sabem como ganhar dinheiro. Em todos os locais públicos, é preciso pagar para usar o banheiro. Se descer na rodoviária de Valparaíso ou de Viña e estiver apertado, separe algumas moedinhas para se aliviar. Isso vale para alguns pontos turísticos também.

Valparaíso é uma cidade portuária e, dos cerros, para onde quer que se olhe, você vê o imenso porto local. Fiquei viajando na maionese e imaginando as rotas daqueles enormes navios carregados de contêineres. Como Valparaíso é banhada pelo Pacífico, há risco de tsunamis e placas por toda a cidade (nas partes mais altas, bem mais altas, obviamente) indicam se você está livre do perigo ou não. Nosso guia nos levou até perto do mar e podemos tirar fotos de leões marinhos gordos e brincalhões que se abrigavam em uma construção abandonada no meio do mar.

Gostei muito de estar tão perto do Pacífico, mas nessa parte do passeio duvido que tenha me divertido mais do que Vanessa. Certamente, se ela pudesse, arrastaria um leão marinho para casa de tanto que ficou feliz em ver a “fofura” dos bichinhos brincando no mar. Da minha parte, recordei tudo o que já tinha lido e visto em filmes sobre o Pacífico, um oceano que sempre me inspirou medo e atração. Assim, de pertinho, a atração era maior do que o medo a não ser quando me lembrava da placa do tsunami e os sentimentos se invertiam.

Semelhanças com o Brasil

A caminho de outro ponto turístico, vimos o quanto Valparaíso se diferencia de Santiago e o quanto se parece com as cidades brasileiras (em alguns trechos, apenas) no quesito pobreza, sujeira e má conservação. Nas avenidas mais movimentadas, há limpadores de pára-brisas nos sinais, numa prova de que os índices sociais da cidade não são dos melhores. Também é possível ver muitos camelôs nas ruas vendendo de tudo e as barracas que comercializam papel higiênico são as que chamam mais a atenção. Há também uma feira de troca-troca no centro comercial que foi incorporada como ponto turístico.

Nosso espirituoso guia (e me penitencio por não lembrar o nome dele) explicou que Valparaíso foi uma cidade muito rica, mas que a perda de importância do porto local com a abertura de outras frentes para escoar mercadorias no Pacífico afundou o município na miséria. Daí, muita gente perdeu o emprego, o comércio de rua cresceu e todo mundo teve que se virar como pôde. Estava na cara que o turismo não era a primeira opção profissional na vida desse homem e que ele era uma pessoa de poucas posses e instrução. Mas a alegria e amabilidade que nos foram dispensadas durante o passeio nos fez ver que estávamos nas mãos certas. Ele nos preveniu, às gargalhadas, que se déssemos falta da bolsa, celular ou carteira era só ir à feira do troca. Lá, conseguiríamos recuperar o produto pagando um preço bem menor do que havia sido gasto na loja originalmente. Grande brincadeira. Ou não.

Só vimos a feira do troca de dentro da van (não fez falta descer) assim como a sede do Congresso Nacional, que fica em Valparaíso. No passeio pelo centro, outra comparação da cidade com o Recife (pelo menos para quem passou da casa dos 30): Valparaíso conserva alguns ônibus elétricos, considerados patrimônio cultural. Recordei dos meus passeios nessas jamantas lentas e pré-históricas que um dia integraram o sistema de transporte público da capital pernambucana. Não sei como seria o trânsito no Recife se ainda existissem os ônibus elétricos, mas aí já estou divagando demais.

Conhecemos a Plaza Sotomayor, um lugar enorme, que reúne algumas dezenas de turistas e fica no centro histórico de Valparaíso. É lá que ocorrem cerimônias para celebrar as datas cívicas da cidade e do Chile. Essas ocasiões são muitas já que o país é repleto de herói e há estátuas e bustos deles por todas as partes. A praça também é cheia de cães abandonados, a maior parte pastor alemão, mas sobre nossas experiências caninas eu falo depois. Vale um post à parte.

Fomos até uma das casas do poeta Pablo Neruda. Chileno e vencedor do Nobel de Literatura (nem dei Google, mas acho que é isso mesmo), ele teve três casas no Chile e uma delas, a de Valparaíso, tornou-se o Museu La Sebastiana. É preciso pagar para circular pelo interior da casa, algo que não fizemos. Não por pirangagem, mas porque preferimos visitar a residência do poeta em Santiago. O La Sebastiana fica na rua Ricardo Ferrari, número 692. Na via, há diversas tendas repletas de produtos e souvenirs que remetem ao Chile e a Neruda. Os preços são para turistas, ou seja, prepare o bolso.

Nossa última parada em Valparaíso foi em um mirante muito bacana voltado para o porto. A vista é incrível e dá para ter uma dimensão da imponência do Pacífico nas terras chilenas (ok, encasquetei com isso). É possível chegar ao mirante por meio de um ascensor, o mais alto e mais conhecido da cidade. Já nos demos por satisfeitos com o ascensor médio, no começo da viagem, e subimos de van mesmo. No local, também há muitos quiosques para quem quiser comer, beber e comprar. Daí, partimos rumo a Viña Del Mar, mas isso é outra história.

Vanessa avisando que a gente não voltaria

Vanessa avisando que a gente não voltaria

Nós e o Pacífico ao fundo

Nós e o Pacífico ao fundo

Os leões marinhos que encantaram Vanessa

Os leões marinhos que encantaram Vanessa e o jornalista que encantou Vanessa

La Sebastiana e La Vanessita juntas

La Sebastiana e La Vanessita juntas

Em frente à casa de cinco andares de Neruda em Valparaíso

Em frente à casa de cinco andares de Neruda em Valparaíso

É da Unesco

Valparaíso tem uma área histórica considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Aqui, http://www.ciudaddevalparaiso.cl, você tem uma idéia do que a cidade oferece. Se preferir sair de carro de Santiago para Valparaíso, prepare-se para pagar dois pedágios que existem na estrada. Fomos de ônibus e não sei o valor (também não me recordo quanto pagamos pela passagem ou pacote, mas acho que foi CLP$ 7.000). A estrada é segura e inteiramente duplicada. Acione o GPS e dirija sem medo de ser feliz.

No caminho para Valparaíso, Vanessa tirou uns bons cochilos afinal nosso sábado começou cedo batendo perna atrás de uma casa de câmbio ainda em Santiago. Eu estava cansado, mas gerando em alta e não preguei o olho. Ao longo da viagem, pude ver que a rodovia é margeada por diversas vinícolas e isso abre o apetite para um bom vinho. A distância entre Santiago e Valparaíso é de 120 km (Recife-Caruaru) e no meio do caminho sempre entra uma vendedora com lanches. Para economizar, leve uma bolsa com água, suco, biscoito, chocolate ou qualquer outro passatempo da viagem.

Gordos, brincalhões e adoram uma água fria

Gordos, brincalhões e adoram uma água fria

O nome mais bonito é o do meio

O nome mais bonito é o do meio

Placa na casa que fica ao lado do Museu La Sebastiana/Valparaíso

Placa na casa que fica ao lado do Museu La Sebastiana/Valparaíso

Paga-se para usar o banheiro em todo lugar

Paga-se para usar o banheiro em todo lugar

Ela e as cores

Ela e as cores

Santiago, Chile, dia 2 – café, dinheiro e mudança de planos

17 jul
Café, café e mais café. Nosso amigo inseparável pelas ruas de Santiago

Café, café e mais café. Nosso amigo inseparável pelas ruas de Santiago todos os dias das férias

Feliz feito criança com um copão de café

Feliz feito criança com um copão de café da Starbucks

Achava que a parte mais difícil do primeiro dia de fato em Santiago (um sábado, 25 de maio) seria acordar. Tinha passado muito mal à noite graças ao banho frio, mas o alarme do celular nem precisou tocar. Férias! Estava de férias depois de uns bons anos sem saber o que era isso e não queria perder tempo na cama. Vestidos adequadamente para encarar as baixas temperaturas da cidade, fomos conhecer o centro santiaguino. Na rua, pudemos, enfim, sentir de verdade a capital chilena já que chegamos à cidade na noite anterior.

Queria conseguir aprisionar em um frasco a sensação boa que é quando um mundo novo se descortina a sua frente. Não tenho talento literário ou jornalístico suficiente para descrever como foi maravilhoso descobrir/sentir Santiago pela primeira vez de dia. Me faltam as palavras exatas para resumir a empolgação e o deslumbramento quase infantil que senti ao colocar os pés nas ruas, mas todo mundo que já viajou para o “lugar dos sonhos” sabe do que falo. Santiago era o meu “lugar dos sonhos”. Não só por representar as férias há tanto tempo desejadas, mas era um desses locais para os quais eu já tinha viajado infinitamente em pensamento.

Junto com o encantamento matinal por Santiago veio também o frio. A primeira impressão é de que minha rinite e outras ‘ites’ crônicas não dariam conta do recado. Santa Vanessa. Se ela não tivesse me convencido a comprar um casaco no Brasil eu estaria agora escrevendo este texto do céu e na minha lápide no Recife estaria: ‘Aqui jaz Franco Benites. Morreu de frio e teimosia’.  Na rua, nosso primeiro objetivo era encontrar uma casa de câmbio para trocar dólares por pesos chilenos. Logo mudamos de ideia e nossa tarefa número 1 foi entrar no primeiro lugar que nos oferecesse algo quente para beber. Esse lugar foi a Starbucks, única loja aberta em Santiago no comecinho da manhã.

Não sou muito fã de café, mas confesso que a bebida se tornou a minha aliada número 1 para suportar o frio. Há mais Starbucks em Santiago do que barracas de água de coco no Recife. E tomar café não é nada barato. Existem lojas mais simples, porém ainda assim a bebida é mais cara do que um refrigerante ou suco e isso nos remete à lei da oferta e da procura. No caso, a procura por café na cidade é muito grande nos meses mais frios. Com o estômago forrado (um viva para os universais pães de queijo), saímos em busca da nossa casa de câmbio. Encontramos uma cidade fantasma, com os estabelecimentos fechados e sem gente nas ruas e então descobrimos que nos finais de semana Santiago só desperta às 10h. Nosso tesão pelas férias era tão grande que deixamos o apê bem antes disso.

As ruas do centro de Santiago são limpas e há inúmeros quiosques para sentar e apreciar o dia

As ruas do centro de Santiago são limpas e há inúmeros quiosques para sentar e apreciar o dia

Quem dera o centro do Recife tivesse ruas largas e bem cuidadas

Quem dera o centro do Recife tivesse ruas largas e bem cuidadas

Nos finais de semana, Santiago desperta preguiçosamente

Nos finais de semana, Santiago desperta preguiçosamente a partir das 10h

Enquanto a casa de câmbio não abria, fomos rodar pelo centro de Santiago para tentar tomar pé do que nos cercava. Nosso apartamento ficava perto dos principais pontos turísticos da cidade, mas havia pouco o que fazer a não ser contemplar as fachadas dos prédios históricos (todos fechados) e as ruas largas e bem cuidadas da capital chilena. Impossível não comparar com o que temos no Brasil. Santiago está bem mais para São Paulo do que para o Recife, ou seja, é uma hipermetrópole, e tem muitos problemas (falarei deles mais à frente). Ainda assim, consegue ter um nível de limpeza e organização de dar inveja. No centro, todas as vias são conservadas e não há um único buraco um desnível na calçada.

Comprovamos que o excelente nível de educação dos chilenos, presente em qualquer pesquisa sobre os índices sociais da América do Sul, existe de verdade. As pessoas são muito solícitas e a presteza inclui todas as classes sociais e de trabalhadores. Todos, sem exceção, todos os carabineros (a polícia de lá) estavam preparados para nos orientar com gentileza. A impressão é de que os funcionários das lojas conseguem se comunicar em inglês com qualquer turista. Nas ruas, quase não há sujeira. Talvez por Santiago ter um eficiente programa de coleta de lixo ou pelo fato dos santiaguinos serem conscientes do seu papel de cidadão.

Após às 10h, as ruas vazia de Santiago se transformam e ficam repletas de gente com cara de sono e bem-vestidas com sobretudos, casacos, luvas, gorros, echarpes e etecétera. As casas de câmbio ficam coladas uma nas outras na rua Agustinas, no centro da cidade, perto do Palacio La Moneda e do nosso apartamento (menos de 10 minutos andando). É o melhor ponto para a troca do dinheiro. Vale a pena circular e conferir o valor das taxas nas fachadas dos estabelecimentos porque há uma variação que pode garantir uns pesos a mais no bolso. Lembre-se de levar o passaporte (item exigido nas casas) e de pedir um recibo relativo à transação.

Quem mora no Brasil sabe que toda área central dos grandes municípios é perigosa. Entrei e saí da casa de câmbio com um olho na missa e outro no padre. Nessas horas, ser brasileiro tem suas vantagens porque me senti como se tivesse todas as artimanhas necessárias para evitar um golpe ou furto. Meu conselho para quem vai trocar dinheiro no centro da cidade é simples: não baixe a guarda como se estivesse no local mais seguro do mundo, mas também não se preocupe em excesso. Há duplas de carabineros em todas as esquinas. Tirando o chip de desconfiança que viaja embutido com todo brasileiro, não me senti ameaçado ou vigiado em momento algum.

Mudança de planos

Muito do que Vanessa e eu planejamos para as férias no Chile não saiu do jeito como pensamos. Ainda bem. O planejamento nos ajudou bastante, mas também foi bom fugir do script programado no Brasil. No nosso roteiro, o sábado seria dedicado a passear pelo centro da cidade. Logo após trocar a grana na casa de câmbio, mudamos tudo e fomos para Valparaíso e Viña del Mar, que ficam distante cerca de 1h30 da capital chilena. Conhecer essas cidades seria a nossa opção para o domingo. Invertemos a ordem dos passeios e nos demos bem.

Fomos até a estação de metrô La Moneda. Poderíamos ter escolhido outra porque elas são muito próximas, mas essa foi a que julgamos mais cerca. Nos orientamos com um mapa que pegamos no aeroporto (tem aos montes e é gratuito) e, na dúvida, recorremos aos carabineros e aos funcionários do metrô. É preciso destacar mais uma vez: que povo educado e gentil. Fomos tratados com a maior atenção possível. Em La Moneda, pegamos um metrô para a estação Universidad de Santiago. Lá dentro, sem precisar colocar os pés na rua, fica o terminal de ônibus da cidadeaqui, o site do local. Quer mamão com açúcar? Então lá vai o endereço e o telefone: Av. Libertador Bernardo O´Higgins (Alameda), número 3850, 2º piso. Fone: (56-2) 3761750.

Assim que entramos no terminal, fomos abordados por diversos vendedores. Julgo que falo bem espanhol, mas acho que a cara de brasileiro denuncia que somos turistas. Antes que pudéssemos chegar ao guichê da Turbus, uma das empresas que levam de Santiago a Valparaíso ou Viña del Mar, já nos tinham oferecido diversos pacotes de passagem para essas cidades. Os vendedores começam com os preços lá em cima, mas bastam alguns ‘nãos’ para que logo deixem tudo dentro de um valor minimamente satisfatório. O chileno médio, assim como o brasileiro médio, quer levar vantagem em cima dos incautos. Os olhos precisam estar bem abertos e os bolsos fechados para evitar surpresas desagradáveis.

Vanessa e eu ficamos assustados com o assédio dos vendedores e chegamos até a discutir para saber qual o meio mais seguro da viagem: ir ao guichê da empresa e embarcar para Valparaíso por conta própria ou se aventurar em uma das ofertas e facilidades oferecidas. Espantamos a decisão e ficamos com a segunda opção. Entrei no ônibus meio inseguro com aquela sensação de que havia sido ludibriado. Já imaginava que nos deixariam no meio de uma cidadezinha rural do Chile e que precisaríamos ordenhar vacas para poder juntar dinheiro e voltar a Santiago. Só relaxei depois de conversar com o assistente do motorista. No fim das contas, fizemos a escolha certa, mas Valparaíso e Viña del Mar merecem um texto à parte.

Há mapas visíveis em todas as estações de Santiago. Fácil demais de andar

Há mapas visíveis em todas as estações de Santiago. Parece difícil, mas é facinho-facinho de andar

Metrô em Santiago: eficiente, seguro e limpo.

Metrô em Santiago: eficiente, seguro e limpo

Quero encerrar este texto falando sobre o metrô de Santiago. Alguns chilenos acham o transporte deficiente e caro. Barato realmente não é. O preço dos bilhetes varia de acordo com os horários. Na hora do rush (7h às 9h e 18h às 20h), pagamos CLP$ 670 por cada passagem. O preço cai para CLP$ 610 das 6h30 às 7h e das 9h às 18h, horário considerado normal. Quem viajar no “horário baixo”, das 6h às 6h30 e das 20h45 às 23h, paga CLP$ 560. Gastamos um dinheiro considerável no metrô, pois diariamente usávamos o serviço. Os gastos, no entanto, nem se comparam se a gente resolvesse andar de ônibus ou de táxi. E também fizemos muita coisa no expresso canelinha.

Em relação à reclamação dos chilenos sobre o metrô, só posso dizer que  nossos amigos latino-americanos precisam passar uns dias no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife ou Salvador (que nem metrô tem) para saber o que é transporte público sem qualidade. Em Santiago, são quatro tipo de linhas: vermelha, azul, amarela e verde. Parece complicado porque, dependendo do lugar que você queira ir, é preciso pegar o metrô, fazer uma conexão percorrendo a estação (são gigantes) e entrar em outro trem. Vimos que não havia mistério e já andávamos feito nativos ao longo da nossa temporada na cidade. Com a menor dúvida, era só recorrer a um funcionário e as chances de se perder sumiam.

Achamos o metrô rápido, limpo e seguro. Nos horários de picos, sempre dávamos uma atenção maior aos bolsos e bolsas. Raul, o nosso “anfitrião”, lembrou que há “descuidistas” por todas as partes. Viajamos seguros sem perder relógio, carteira ou a paciência. Espero que um dia o metrô do Recife, usado na maioria das vezes pelas classes menos abastadas da população, seja igual ao de Santiago e reúna em um mesmo vagão estudantes, militares, trabalhadores braçais e executivos com suas diferentes vestimentas e contas bancárias. Já Vanessa, pelo que sei, espera que as máquinas de frutas sejam implantadas no lugar daquelas que vendem refrigerante e nos levam ao mau caminho da gordice.

Negócio de vida saudável no metrô de Santiago

Negócio de vida saudável no metrô de Santiago

Santiago, Chile, dia 1 – Chegada e micos

17 jul

“O dia 2 de janeiro de 2009 amanhecia com um céu alaranjado sobre as montanhas lilases dos Andes, definitivas, eternas, imensas, quando a voz do piloto anunciou a aterrissagem. Logo apareceu um vale verdejante, fileiras de árvores, terrenos cultivados e, ao longe, Santiago”.

Isabel Allende, em O Caderno de Maya

A primeira vez

Para os padrões da minha família, fiz minha primeira viagem internacional cedo. Para os padrões dos meus amigos, a experiência ocorreu tarde. Que me lembre, nenhum parente colocou os pés no exterior. Tenho colegas que desbravaram a Disney quando criança, outros que moram fora do país há bons anos e mais alguns que fizeram ou fazem de Buenos Aires ou da Europa o quintal de casa. Só cruzei a fronteira do Brasil no dia 24 de maio de 2013, um dia após completar 33 anos. Isso não me torna melhor ou pior do que ninguém e talvez essa introdução seja desnecessária, mas não poderia descrever meus intensos dias em Santiago, no Chile, sem falar sobre isso.

Também é válido dizer que não anotei nenhuma informação da viagem em caderno ou diário. Estava saturado do jornalismo e precisava de férias. Por isso, não me atrevi a anotar nada, mesmo sabendo que lamentaria na hora em que quisesse colocar no papel computador as experiências do Chile. Os relatos abaixo são baseados apenas no que ficou na memória. Certamente, muita coisa boa se perdeu de lá para cá. Meu objetivo era regressar ao Brasil e escrever imediatamente sobre as férias em Santiago. Mas voltei ao Recife diretamente para o trabalho na Copa das Confederações e a falta de tempo, cansaço, preguiça e tudo isso junto me tiraram o ânimo de escrever.

Chile, aí vamos nós

Chile, aí vamos fomos nós

Os preparativos

Começar pelo começo é uma frase clichê e meio sem sentido, mas ela vale muito quando se trata de uma viagem. O começo, nesse caso, é bem simples: pesquisa e mais pesquisa. Assim que Vanessa e eu nos decidimos por Santiago (excluindo o Canadá, Nova Iorque, Buenos Aires, Praga, Amsterdã e tantos outros lugares para onde a nossa mente viajou quando as férias foram oficializadas e autorizadas), caí em campo para buscar o máximo possível de informações sobre o nosso destino final. Além das dicas dos amigos, todas muito preciosas, comecei a traçar nosso roteiro a partir de informações desses sites aqui: Meus roteiros de viagem e Dri Everywhere. Suas próximas férias podem ser daqui a seis, oito ou 12 meses, mas pesquise desde já.

Outras medidas práticas ainda em solo pernambucano facilitaram bastante a nossa vida. Vanessa baixou um aplicativo de conversão de moedas, o Easy Currency. Ele quebrou um grande galho e nos deixou a par dos gastos. Cuidado apenas para não surtar. É quase incontrolável a vontade de conferir quanto tal produto vale em R$. Se você ficar muito apegado ao conversor vai querer desistir de passeios, jantares e presentes. A conversão ficava a cargo de Vanessa, mas eu sempre perguntava o valor dos itens e muitas vezes o pensamento recorrente era: ‘Tudo isso por café?’. Então, use o app com moderação.

Ainda no Recife, além de trocar R$ por dólares – me sinto rico só de pensar que tive algumas doletas nas mãos –, trocamos nosso suado (e bote suado nisso) dinheiro por pesos chilenos. A gente ia viajar só com algumas míseras verdinhas, mas vale a pena levar os pesos já daqui porque a taxa de câmbio do aeroporto Arturo Merino Benítez (nenhum parentesco) é alta. Demos sorte, já que nem sempre é fácil encontrar a moeda chilena por essas bandas, e assim desembarcamos em Santiago com dinheiro suficiente para o transfer, comprar um refrigerante ou subornar um agente da alfândega.

É bom se preparar para gastar no Chile. Nada é barato. Nada. Os preços altos vão de um simples ímã de geladeira a um produto mais sofisticado. Mas nada se compara ao valor das comidas e bebidas. Claro que é sempre possível encontrar lugares menos sofisticados para almoçar ou jantar, mas numa viagem de férias a pirangagem deve ser deixada de lado. Os nossos gastos foram feitos todos em dinheiro. Levamos o cartão de débito para alguma emergência, mas não precisamos usá-lo. Ainda bem. A cada saque ou utilização, pagaríamos uma taxa. O mesmo vale para o cartão de crédito, que só usamos no duty free. A regra é clara, Arnaldo: leve o cartão apenas para emergências, mas priorize os gastos em dinheiro.

Dependendo da época da viagem, também vale investir uma grana em um bom casaco para enfrentar o frio. Eu jurava que minhas duas jaquetas velhas agüentariam as baixas temperaturas de Santiago no fim de maio/início de junho e relutei em comprar algo mais condizente com o clima de lá. Poucos dias antes do embarque, Vanessa me convenceu a deixar a síndrome de mendigo de lado e comprar um casaco quentinho e confortável.  Saí do shopping com um misto de satisfação (o casaco é realmente muito bonito) e incômodo (nunca tinha empregado tanto dinheiro em uma única peça de roupa), mas bastaram alguns poucos minutos no Chile para eu saber que pagaria a fatura do cartão de crédito sem dizer um ‘ai’. Ah, eu havia cogitado deixar para comprar roupa de frio em Santiago, mas ainda bem que mudei de ideia rapidamente. Não encontrei nada mais barato do que aqui. Os preços se equivalem e eu só passaria uma noite de frio sem necessidade.

Mico na chegada

Do Rio de Janeiro, onde passamos os primeiros dias das nossas férias, levamos cerca de cinco horas até Santiago. O vôo da TAM ocorreu sem sobressaltos (diferente da volta) e chegamos ao Chile à noite. Nossa maior frustração no avião era não poder ver os Andes. Víamos as luzes da cidade e algumas massas cinzentas, que julgávamos ser as montanhas chilenas, mas ficamos apenas no achismo. Era impossível ver alguma coisa e qualquer desenho na paisagem, lá embaixo, era mais fruto de nossa imaginação do que obra da natureza.

Já na pista do aeroporto a primeira leva de passageiros foi em um ônibus até o saguão. Esperamos alguns minutos sob um friozinho provocador até que o outro veículo nos resgatasse. Uma vez na parte externa do saguão, entre a pista de pouso e a parte interna, onde ficam os guichês da Polícia Federal, pedi para Vanessa me ajudar com o casaco e com a echarpe, afinal, não entendo de toda essas vestimentas para o frio. Quando nos viramos para entrar no saguão, não havia mais NENHUM passageiro e a porta de vidro estava trancada e não abria.

Batemos no vidro, apertamos todos os botões que estavam por perto e nada da porta abrir ou alguém aparecer. O vacilo nos deixou praticamente sozinhos na pista do aeroporto. Antes que o desespero tomasse conta e o sentimento de mexicano-que-atravessa-a-fronteira-ilegalmente se instalasse de vez, apareceu um funcionário do aeroporto para nos socorrer. Coloquei meu castelhano (obrigado, Senac) em prática antes do que imaginava e em condições nada favoráveis.

O chileno nos encheu de perguntas porque queria saber a razão de estarmos naquela área proibida. Argumentei em espanhol, Vanessa em inglês e tomamos uma bronca daquelas que me fez pensar onde estava a tão propalada amabilidade dos andinos. Quando se deu por satisfeito, o funcionário enfim a abriu a porta para que pudéssemos entrar. Com o rabo entre as pernas e aliviados, nos juntar aos passageiros do nosso voo para preencher o formulário de chegada ao Chile.

É proibido chegar com comida ao Chile. No formulário, tem a explicação sobre como proceder. Vanessa tinha uma maçã na bolsa, que não comeu no voo, e achamos que poderia dar bronca. Passamos fácil, mas um casal carioca que conhecemos no Chile nos contou que foi barrado com doce de leite da Argentina. Por outro lado, uma amiga de Vanessa, que mora em Santiago há alguns meses, conseguiu convencer o funcionário do aeroporto a deixá-la passar com massa para cuscuz.

Sem dúvida o item mais importante do apê era o aquecedor

Sem dúvida o item mais importante do apê era o aquecedor

Confortável demais. Aqui, nos protegemos do frio de Santiago

Confortável demais. Aqui, nos protegemos do frio de Santiago após os passeios diários

Pense numa cozinha organizada

Pense numa cozinha organizada

Transfer e hospedagem

Ir para o hotel (no nosso caso, um apê) é a coisa mais fácil do mundo embora o aeroporto fique longe de tudo. Há variados meios de transporte e usamos o mais recomendado: o transfer da Transvip. Me disseram que era preciso agendar a viagem pelo site da empresa (http://www.transvip.cl), mas isso só foi necessário na volta. No aeroporto, basta procurar o guichê da empresa e indicar o destino final. Eles oferecem serviço de carro particular ou transporte compartilhado, a velha e boa van (eles chamam de minibus compartido – microônibus compartilhado, em português). Fomos nesse último para economizar e não houve aperreio. O veículo é confortável e o percurso nem demorou tanto. Ou talvez tenha demorado e eu estivesse me deslumbrando com as ruas, cores, clima e pessoas que uma noite de sexta-feira podia me oferecer a caminho do centro da cidade. Pelo serviço, pagamos CLP 5.500 (por pessoa). No táxi executivo, da mesma empresa, o transfer custaria CLP 18.000.

A van nos deixou bem em frente ao nosso prédio – calle Hermanos Amunátegui, 630. A edificação é nova e fica extremamente bem situada, mas claro que só tive a exata noção dessa localização no dia seguinte. Encontramos o apê no site AirBNB e pagamos o equivalente a R$ 87 por dia. Muito mais barato do que a diária de um hotel. Fomos recebidos por Raul Villarroel, proprietário do imóvel. Em inglês e espanhol, ele nos deu todas as dicas possíveis e esteve sempre à disposição para nos ajudar com nossas dúvidas santiaguinas. Sempre que for viajar, vou procurar por opções no AirBNB. Você ganha em economia, privacidade e liberdade. Caso vá a Santigo, você pode encontrar o apê de Raul aqui: www.chile4rent.com. Para dúvidas, é só escrever para reservas@chilhe4rent.cl.

Calle Hermanos Amunátegui. Pertinho de tudo

Calle Hermanos Amunátegui. Pertinho de tudo

O apartamento é pequeno, um quarto e sala, mas ideal para um casal. Logo depois de nos instalarmos, fomos a um supermercado fazer compras para o café da manhã do sábado. Estar no supermercado de outro país é uma experiência muito divertida. Pelo menos para a minha matutice foi. Ficava me divertindo com os nomes dos produtos em castelhano. Obviamente, há muitas marcas desconhecidas para os brasileiros. Aí é que mora o perigo: qual leite comprar? Qual queijo? Qual água? Nesse último item, nos demos mal. Pegamos um garrafão de 5 litros de uma porcaria belezinha chamada Cachantun. É uma cilada, Bino. A água é extremamente pesada para os nossos padrões (estomacais, principalmente) e não desce nem um pouco suave. Aqui no Brasil, ela serviria para lavar o chão de casa. A melhor marca é a Vital.

Na noite da sexta, após uma longa viagem, a fome e o cansaço eram maior do que a disposição de cozinhar e pedimos uma pizza para acompanhar o vinho comprado no supermercado. A atendente nos deu um prazo de 40 minutos. Esperamos de besta porque depois descobrimos que a pizzaria fica na rua ao lado do nosso prédio. De qualquer forma, valeu a pena a espera: a pizza foi uma das melhores que comemos em toda nossa vida. Só não conseguimos aproveitá-la com o vinho porque nao achamos o saca-rolha. Acionamos Raul pelo whatsapp. Ele nos pediu desculpas e garantiu que no dia seguinte não teríamos problemas para bebericar em casa.

Antes de ir dormir, fui tomar banho e cometi a insanidade de me enfiar debaixo do chuveiro sem esperar que a água esquentasse. Saí do banho me tremendo. As mãos batiam no ar sem que eu pudesse controlar e o coração ficou acelerado. No começo, achava que era uma simples reação ao frio. Depois, mesmo aquecido, os tremores não passavam e eu jurava que teria um passamento e que Vanessa teria que abreviar as férias e retornar ao Brasil vestida de luto. Falta de aviso não foi. Vanessa morou no Canadá e sabia bem o que era um frio daqueles. Eu, acostumado no máximo ao frio do Festival de Inverno de Garanhuns, quase dancei. Sofri, mas aprendi a lição. No frio, dou valor a qualquer tipo de aquecimento.

É uma cilada, Bino! Duja da água Cachantun

É uma cilada, Bino! Fuja da água Cachantun